segunda-feira, 23 de maio de 2011

Uma visão psicopedagógica sobre o processo de aprendizagem

O processo de aprendizagem pode ser definido de forma geral como a maneira pela qual como os indivíduos adquirem novos conhecimentos, ampliam competências e transformam o comportamento. No entanto, a complexidade do processo de aprendizagem dificilmente pode ser explicada apenas a partir de uma definição específica, uma vez que está impregnada de pressupostos politico-ideológicos, relacionados com a visão de homem, sociedade e conhecimento.

Alguns teóricos consideram a aprendizagem como um processo de alteração de conduta de um indivíduo, seja por condicionamento operante, experiência ou ambos, de uma forma razoavelmente permanente. As informações podem ser absorvidas através de técnicas de ensino ou até pela simples aquisição de hábitos.

Para Vygotsky (1991), a aprendizagem precede o desenvolvimento, ou seja, o processo de desenvolvimento segue-se ao de aprendizagem, e para isso é preciso a intervenção do processo social da educação.  Ainda de acordo com esta abordagem, a linguagem tem um papel construtor e propulsor do pensamento e as aprendizagens potencializam os processos de desenvolvimento, embora estes sejam mais lentos que os processos de aprendizagem.

A partir da teoria psicogenética, Piaget afirma que o conhecimento não pode ser aceito como algo predeterminado desde o nascimento, pois resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, através da interação sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural. Este autor afirma que a aprendizagem é um processo necessariamente equilibrante, pois faz com que o sistema cognitivo busque novas formas de interpretar e compreender a realidade enquanto o aluno aprende.

Piaget denominou que o processo de assimilação é a entrada de qualquer aspecto da realidade na vida do indivíduo e nomeou o processo de acomodação como o momento em que esta realidade passa a integrar os próprios esquemas do indivíduo. A partir da construção de acomodações e assimilações, completa-se o processo a que Piaget chamou de adaptação. A cada adaptação constituída e realizada, o esquema assimilador se torna solidificado e disponível para que a pessoa realize novas acomodações. O que promove este movimento é o processo de equilibração, conceito central na teoria construtivista.

Segundo Bossa (2000) a aprendizagem é o fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao longo da vida. Porém, ao se falar sobre a aprendizagem, não se pode relacionar a questão somente com o sujeito, pois, a aprendizagem não é um processo individual, ou seja, é um processo coletivo que envolve a interação entre o sujeito, o ensinante e o conhecimento.

Fernández (2001), acredita na importância da família para as aprendizagens das crianças, uma vez que os pais são os primeiros ensinantes e os mesmos determinam algumas modalidades de aprendizagem dos filhos. Esta consideração também deve evocar a relação professor-aluno, pois  “quando aprendemos, aprendemos com alguém, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar.”. Almeida (1993), também considera que a aprendizagem ocorre no vínculo com outra pessoa, a que ensina, “aprender, pois, é aprender com alguém”. É no campo das relações que se estabelecem entre professor e o aluno que se criam às condições para o aprendizado, seja quais forem os objetos de conhecimento abordados.

O processo de aprendizagem se inscreve na dinâmica da transmissão da cultura, segundo Pain (2001), e constitui a definição mais ampla da palavra educação. Para Fonseca (1995) a aprendizagem constitui uma mudança de comportamento resultante da experiência, ou seja, “é uma resposta modificada, estável e durável, interiorizada e consolidada no próprio cérebro do indivíduo”. A aprendizagem compreende uma relação entre o sujeito e o conhecimento, e é o reflexo da assimilação e acomodação do mesmo.

Conforme Pain (1989) a aprendizagem possui quatro funções interdependentes: função mantenedora da educação (transmissão das aquisições culturais); função socializadora da educação (transforma o sujeito num ser social); função repressora da educação (objetiva conservar e reproduzir as limitações socioeconômicas das classes e grupos sociais); e função transformadora da educação (revela formas de expressão revolucionária). Em suma, a aprendizagem garante a conservação do processo histórico e da sociedade, embora também cumpra um papel na implementação das transformações sociais.

Fonseca (1995) afirma que a aptidão para a aprendizagem exige a equação de diversos fatores, como por exemplo: fatores biológicos (maturidade global, crescimento, organização cerebral e sua estabilidade, a conscientização da imagem do corpo, a visão, a audição, a psicomotricidade, o funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc); fatores sociais ( que incluem o nível econômico, as experiências e oportunidades do sujeito e a relação da família com o conhecimento); fatores emocionais ( estabilidade emocional, concentração e motivação para a aprendizagem); fatores intelectuais ( capacidade mental, percepção e raciocínio).

Pain (1989) destaca que se pode falar de condições externas (estímulo) e condições internas (motivação) que favorecem a aprendizagem.  Em relação às condições externas Pain cita três planos estreitamente inter-relacionados: o corpo (organismo), a cognição (presença de estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento) e dinâmica do comportamento (uma vez que a aprendizagem é um processo dinâmico que determina uma mudança qualitativa na possibilidade de atuar sobre a realidade). Sendo assim, é importante que o psicopedagogo considere estes aspectos para que ao realizar o diagnóstico e a intervenção, possa conduzir o ser humano à apropriação do saber, com o intuito de favorecer um desenvolvimento livre e autônomo.

Tanto Pain (1989) quanto Fonseca (1995) afirmam que para aprender é necessário motivação e interesse, mas ponderam que há necessidade de uma condição interior própria do organismo. A diversidade de estímulos, as expectativas, prêmios, castigos, necessidades adquiridas, a maior ou menor clareza na representação da finalidade e o prazer lúdico são variáveis que também condicionam a aprendizagem. Os aspectos de amor e sustentação, desafio e autonomia são condições necessárias para que qualquer aprendizagem seja possível.
Para Weiss (2000), a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito, portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, com o desejo de aprender. O aspecto social refere-se à relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula, entre outros. Para a autora a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio. Pode-se dizer também que é a constante interação de todos os aspectos relacionados.

Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não-funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um dos aspectos apresentados, ou ainda, de uma relação inadequada entre eles. Scoz (1998) vê os problemas de aprendizagem não se restringindo em causas físicas ou psicológicas. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional enfocando fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos. Ou seja, para aprender é necessário que exista uma relação de condições entre fatores externos e internos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALMEIDA, S. F. C. O lugar da afetividade e o desejo na relação ensinar-aprender; In: Revista Temas em Psicologia. Ribeirão Preto – SP: Sociedade Brasileira de psicologia, 1993, n.1.
BOSSA, N. Dificuldades de aprendizagem: o que são e como tratá-las? Porto Alegre: Arres médicas, 2000.
DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
FERNÁNDEZ, A. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artes Médicas: 2001.
FONSECA, Vitor. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: 1989.
PIAGET, JEAN. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar, o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis: Vozes,1998.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
WEISS, Maria L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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