Para Fichtner (1997), a função da escola é a formação cultural do indivíduo para a vida em sociedade, complementando o papel específico da família, gerador biológico dos filhos, na educação. No entender deste autor, existe, atualmente, tanto na escola privada quanto na pública, uma crise de identidade das instituições de ensino quanto as suas funções na educação. Muitas famílias, que não souberam trabalhar a formação emocional de seus filhos para as limitações impostas pela vida em sociedade, frustram-se posteriormente com seus maus desempenhos na vida escolar e esperam que a escola por si só desenvolva neles, a formação sócio-cultural, valores como cautela, disciplina e perseverança, necessários a uma vida socialmente feliz e bem sucedida. Como famílias desse tipo não assumiram posturas educacionais voltadas à construção de limites na vida de seus filhos desde o início, a tendência é de que manifestem inaptidão em assumirem tais posturas também nessa fase, alienando-se do processo educacional e atribuindo à escola, aos professores ou aos próprios filhos a responsabilidade por seus fracassos escolares.
Maior sucesso na produção de conhecimentos haveria se os dois pólos
(escola e família) ressignificassem de maneira integrada seus conceitos de educação, construindo currículos e organizando o espaço escolar com
base em experiências coletivas.
Segundo Tiba (1996), os professores são peças chaves na formação comunitária e podem e devem desempenhar, através de sua empatia em sala de aula, o papel de despertar o interesse dos alunos pelo conhecimento com conseqüente concentração nos estudos. Entretanto, Tiba pondera que, embora o professor deva assumir posturas de fixação de limites na condução de suas aulas, não se deve esperar dele um papel de disciplinador e formador de limites, além de suas competências e possibilidades.
Para Pain (1989), o fator ambiental é uma variável importante em relação aos problemas escolares e problemas de aprendizagem, uma vez que determina as possibilidades reais e estímulos que o meio oferece ao sujeito, envolvendo não apenas o espaço familiar, mas também as condições econômicas, sociais e oportunidades de experiências diversificadas.
Como espaço de interação social, a escola pode influenciar pais
que não sabem ou não conseguem trabalhar os limites de seus filhos, a reverem conceitos e posturas, num processo de troca de informações e experiências. O envolvimento comunitário do professor e a construção de canais de intercâmbio com a comunidade nos estabelecimentos de ensino são condições essenciais para o desenvolvimento de relações eficazes entre a família e a escola.
A intervenção do educador, portanto, na formação de indivíduos autoconfiantes, criativos e cidadãos responsáveis não se pode dar pelo mero repasse de conteúdos a serem assimilados e apresentados (ou representados) mecanicamente por crianças e adolescentes em tarefas ou provas escolares, mas deve estar orientada para o desenvolvimento de mecanismos de observação, assimilação, análise e reelaboração de informações obtidas em todos os momentos da vida. Atividades escolares comprometidas com o desenvolvimento das potencialidades humanas formam, em interação com saudáveis relações familiares, a base para a construção da autonomia de crianças e adolescentes que serão os condutores dos destinos da sociedade a que pertencem.
Quando o trinômio escola x família x comunidade não consegue construir processos adequados para o desenvolvimento dos cidadãos, os consultórios de psicopedagogos e psicólogos tornam-se cada vez mais cheios de crianças e adolescentes que não conseguem se adaptar à escola, com dificuldades de aprendizagem. Muitas vezes a família é negligente em relação à construção de limites e adequação dos desejos e a comunidade não é capaz de canalizar o potencial criativo de seus indivíduos, e todos esses fatores podem contribuir de forma conjunta ou isolada para o fracasso escolar.
Quanto ao educador, ele deve oportunizar aos alunos questionamentos de seus próprios pontos de vista, possibilidades de confrontá-los com outras opiniões e de observá-los por diversos ângulos, elaborar e propor novas formas de agir, criando e fortalecendo no grupo o senso de respeito pelas opiniões alheias para que, dessa forma, possam ser elaboradas diversas hipóteses de abordagens de problemas, onde se obedeçam às regras básicas dos limites de condutas. O professor não pode, pois, para manter a ordem necessária ao bom desenvolvimento da aula, perder seu senso de autoridade. Não ser autoritário não significa abrir mão da autoridade. Outro aspecto em termos de contexto para o desenvolvimento exitoso das atividades escolares, é procurar transformar o ambiente escolar num ambiente voltado para a aprendizagem.
Os alunos estarão assim adquirindo noções adequadas de comportamentos num mundo onde o manejo cauteloso de regras, valores morais e convenções sociais é cada vez mais necessário das potencialidades individuais.
Na discussão sobre desenvolvimento de noções de limites, como na de outro aspecto qualquer referente à educação escolar, é de fundamental relevância destacarmos a importância de um amplo comprometimento para com a aprendizagem, que engaje o maior número de profissionais da área (professores, funcionários de escola, autoridades, alunos e pais de alunos) na criação de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de práticas de desenvolvimento humano.
“A primeira exigência será para que a escola se tome um ambiente favorável de aprendizagem para os estudantes, tomando-se, também, um ambiente positivo de aprendizagem para o professor. 11 (Demo, 2000, p. 42)
A necessidade de inovar, portanto, requer que se tenha uma visão integrada do ser humano, que o próprio professor não atue como um doutrinador, mas como um estimulador dos alunos na busca do conhecimento. Se o professor aferrar-se a noções de conhecimentos estanques, que lhe conferem um papel de autoridade do saber, dará, com certeza, um péssimo exemplo de respeito a limite.
No que se refere às atividades de aprendizagem com crianças e adolescentes, existe uma ampla literatura sobre a importância de estimular o potencial lúdico do ser humano em benefício da educação, que tem entre suas principais características práticas de aprendizagem: o agradável, o respeito natural aos limites próprios e alheios, a relatividade de papéis e de resultados, onde nem méritos nem fracassos são definitivos.
Conforme Dolto (1999), as crianças adquirem noções de limites na medida em que sentem necessidade de segurança. Dessa forma, os limites considerados em suas expressões mais extremas, são indicadores de perigos reais, onde as transgressões implicam em ameaças à integridade física própria ou alheia. A aquisição de noções de limites forma na criança a base emocional que ela utilizará na vida para administrar seus desejos e necessidades, ou seja, forma as bases do autocontrole, que o ser humano deve possuir para buscar a satisfação de seus anseios dentro de uma escala de prioridades e ritmo de realização, sabendo que não se pode fazer tudo o que se quer e quando se quer.
Educar é, portanto, estimular o desenvolvimento das potencialidades de interação adequada com o mundo externo e com a realidade social. Mais do que ensinar à criança o que seja pretensamente certo a partir de uma perspectiva da realidade adulta, devem os adultos preocupar-se em monitorar o desenvolvimento do auto-conhecimento infantil através do monitoramento das relações da criança com a realidade que a cerca, disponibilizando meios e ambientes adequados para seu crescimento.
O papel dos pais pode ser resumido numa frase genérica: tornar possíveis as experiências das crianças. Esta frase expressa uma atitude comprometida com a infância, que permite à criança existir, e revela uma postura de vida que será importante em todas as fases de desenvolvimento do ser humano. Nela se insere o respeito ao outro enquanto ser humano, com vontade própria, que está crescendo e se desenvolvendo de um modo singular, a quem pode ser oferecido um ambiente caloroso, aconchegante e receptivo. Esse ambiente, porém, não pode ser um ambiente de liberdade irrestrita, onde a criança faça o que quer, quando e como quer, mas de liberdade regulada, negociada, que se traduza em ações educativas. Se a tradicional explicação de que isso não é brinquedo não funcionar, a criança deve ser privada desse espaço até que entenda que seus desejos de brincar devem voltar-se para objetos adequados. Não se trata de aplicação acrítica de castigos, através da limitação do espaço de locomoção, mas de desenvolvimento das noções de limites nas ações e expressão de desejos humanos, de orientações para que a criança entenda suas possibilidades de agir e interagir adequadamente com o mundo que a cerca. O que fundamentalmente deve estar por trás de ações de estabelecimento de limites, através do exercício da autoridade dos pais (que não precisa ser enérgica em todas ocasiões, mas manifestar-se sempre que necessário, uma vez que o princípio de negociação com algum tipo de autoridade externa é comum à vida em sociedade), é o entendimento de que:
“Os atos de nossos filhos por vezes nos parecem tentativas de nos irritar, mas não são. São tentativas de compreender o mundo, de organizar-se frente a ele. Portanto vamos ajuda-lo, que isso não é nada fácil” (Zagury, 2000, p. 71)
Também, no âmbito escolar, o uso da essência lúdica da infância será extremamente importante para o desenvolvimento das potencialidades da criança. A criança constrói seu conhecimento através de brincadeiras; participando de jogos dramáticos ela interage com outras crianças e expressa elementos essenciais de sua personalidade, vivendo momentos que lhe propiciam deixar fluir suas angústias e manifestar suas esperanças. Por outro lado, através dos jogos e brincadeiras, a criança aprenderá a controlar seus desejos pelo cumprimento de regras, da execução das ações em equipe e da contenção da atuação individual ao tempo e ao espaço que são destinados à sua intervenção. Pode surgir a cada passo um conflito entre as regras do jogo e o que a criança faria se pudesse agir de forma isolada e espontânea.
Assim, nos momentos de jogos e brinquedos, surgirão situações em que ela terá de agir de maneira contrária ou diferente da que manda seu desejo. Ao renunciar às ações sob impulso a criança poderá atingir resultados ainda desconhecidos para ela, obtendo o prazer de partilhar pensamentos e sentimentos com outros membros do seu grupo.
Segundo Vygotsky (1991, p. 113),
"... o atributo essencial do brinquedo é que uma regra torna-se um desejo. O brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos. Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um "eu" fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira as maiores aquisições de uma criança são obtidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação e de moralidade. "
As brincadeiras são a melhor experiência de exercício da sociabilidade, uma vez que, para fazer parte do grupo, é preciso que a criança desenvolva capacidade de autocontrole para tomar conta de seus próprios impulsos de honestidade e desagregação, que podem ser percebidos pelas outras crianças. Assim, passa a haver uma interação emocional e intelectual entre os indivíduos do grupo, onde são transacionadas manifestações de afeto e inclusão ou de desprezo e exclusão. A criança, educada desde cedo no convívio familiar a considerar a existência alheia em suas atitudes e ser cautelosa na realização de seus desejos, enfrentará, com certeza, menos problemas de integração social em sua vida escolar do que uma criança não-habituada a noções de limites em suas ações e realização de seus desejos no convívio familiar. Não se pode, porém, confundir a formação de limites com atitudes castradoras presentes em expressões repetidas incessantemente aos ouvidos das crianças desde a tenra idade do tipo "cale a boca", "não mexa", "fique quieto" (Dolto, 1999, p. 109), que frustram ou limitam o desenvolvimento físico, psicológico e intelectual da criança em seu desabrochar. Tiba (1996) considera a timidez anti-natural e, gerada pela repressão, fator de desajuste emocional e provocador de transgressão de limites. Falar-se de características pessoais predominantes de introversão ou extroversão, como algo inerente à natureza humana de determinados indivíduos, traduz uma compreensão arbitrária e superficial dos fatores de formação e desenvolvimento educacional do ser humano, cujos sentimentos e pensamentos podem manifestar-se de maneira diversa em diferentes ambientes e condições de relacionamentos.
Fortuna (1999) considera o recurso a jogos nos processos de aprendizagem não apenas como uma metodologia lúdica de ensino de conteúdos, mas fundamentalmente como possibilidades de desenvolvimento de atitudes e posturas críticas e criativas para uso em diversas situações. A atividade lúdica, assim concebida, desenvolve a capacidade cognitiva pela liberação da imaginação, facilitando os processos de aprendizagem. Outro aspecto importante é que, dando ao aluno liberdade para expressão de suas idéias e abrindo espaços para, através de atividades lúdicas, ele ajudar na definição das regras do jogo, o professor e a escola, sem desviarem-se de suas obrigações, deixam de assumir atitudes paternalistas, podendo desenvolver nos alunos estímulos e auto-estima para que assumam a responsabilidade pelos seus atos e pelos resultados de suas atitudes e posturas.
Ainda a mesma autora pondera ser fundamental que se repense as concepções de educação, de mundo, de infância e de aprendizagem, que atualmente permeiam o universo escolar, para que se obtenha êxito na construção da autonomia dos sujeitos. A atuação do professor como facilitador das aprendizagens deve ser a de um estimulador do desenvolvimento das potencialidades próprias que cada criança traz. A fixação de regras e limites desvinculados dos valores emocionais e das condições intelectuais, próprias do universo infantil, é uma característica das velhas concepções de educação e ensino. Devidamente estimulada e orientada, a criança é capaz de construir suas próprias regras e limites, necessários à construção de sua própria história com auto-estima e autoconfiança frente às necessidades de resignações e avanços que surgem nas diversas situações da vida em sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DEMO, Pedro. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
DOLTO, Françoise. As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FICHTNER, Nilo. Transtornos mentais da infância e da adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
FORTUNA, Tânia Ramos. Sala de aula é lugar de brincar? Cadernos de Educação Básica. Nº 5, Porto Alegre, 1998.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: 1989.
TIBA, Içami. Disciplina na medida certa. São Paulo: Gente, 1996.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
ZAGURY, Tânia. Limites sem traumas. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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